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Personalidades sobre democracia: "a possibilidade de oportunidades iguais"

A cantora Paula Lima - Lucas Fonseca/Vira Comunicação
A cantora Paula Lima Imagem: Lucas Fonseca/Vira Comunicação

Colaboração para Ecoa, de Campinas (SP)

15/09/2020 04h00

O que é democracia hoje para você? Ecoa fez esta pergunta a algumas personalidades para capturar a diversas visões em uma sociedade diversa e (ainda) democrática como a brasileira para marcar o Dia Internacional da Democracia, celebrado hoje (15).

"Democracia é a linda permissão de coexistência entre pessoas, ideias e comportamentos diferentes", afirma Otaviano Costa, ator e apresentador do Otalab, do UOL.

"Democracia hoje, no passado e, se Deus quiser, pra sempre, será pra mim a mais fantástica ferramenta de integração e de transformação de uma nação. Neste Brasil quase continental, com tantos sotaques, com tantas culturas, com tanta gente diferente, há de se ter através da democracia, e pacificamente, a unificação de um povo que tanto lutou pra chegar onde chegou e, se Deus quiser, jamais será derrotado", diz o apresentador, que como referência recomenda a leitura de "Diretas Já: 15 meses que abalaram ditadura", de Dante de Oliveira e Domingos Leonelli.

"É um livro interessante. Um baita olhar sobre tudo o que aconteceu no restabelecimento da nossa democracia, os bastidores. Um resgate daquele período desafiador, lindo, do povo na rua, buscando de novo nossa bendita democracia. E mostra os bastidores da negociação, de todos os medos, e as pessoas corajosas por trás disso, inclusive o próprio Dante".

Otaviano Costa com o Dante de Oliveira, na ocasião em que recebeu a comenda de comendador de quando Dante era governador de MT - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Otaviano Costa com o Dante de Oliveira, na ocasião em que recebeu a comenda de comendador de quando Dante era governador de MT
Imagem: Arquivo Pessoal

Para a cantora e compositora Paula Lima, democracia é o governo em que o povo exerce a sua soberania. "É quando nós, o povo, elegemos os nossos dirigentes através das eleições para que eles nos representem. Em uma democracia o povo tem a garantia dos direitos humanos. A democracia tem como instituições os poderes legislativo, executivo e judiciário e tem como princípios básicos a liberdade individual; a liberdade de expressão e opinião; a possibilidade de oportunidades iguais. Assim como a possibilidade de manifestação do povo perante o que for de interesse público."

Ela lembra que, em um país democrático, questões que provocam os abismos sociais são tratadas com seriedade e comprometimento, e as políticas públicas e sociais são prioridade para que a mobilidade social e o crescimento individual e do coletivo realmente sejam algo real. "Essas propostas deveriam ser urgentes. A corrupção, o tratamento desigual, o não investimento em educação e cultura não cabem no conceito democrático, assim como a parcial segurança pública violenta e ultrapassada que tem como alvo o jovem negro e pobre. A população carcerária é majoritariamente negra. O racismo impera e mata. Mulheres não são respeitadas nem mesmo dentro do Judiciário", diz ela.

"As mulheres negras ainda são a base da pirâmide social. Numa democracia, a educação é fundamental e as desigualdades não deveriam acontecer pelo conceito equivocado da meritocracia", diz a cantora.

Sobre o tema, Lima recomenda o livro "Como as democracias morrem" (autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt). "Em resumo, a teses dos autores é que, para uma democracia morrer, não é necessária uma ditadura militar ou golpe de estado. Não são necessárias estratégias específicas usadas de forma direta. A democracia pode ser minada por dentro. Os exemplos são de alguns governos autoritários, que mesmo com eleições, com imprensa e tribunais superiores, com todas as instituições democráticas teoricamente funcionando, seus governantes conseguem e desenvolvem esse tipo de governo contrário à verdadeira democracia."

Ela recomenda ainda obras que, apesar de não falarem diretamente sobre democracia, tratam das minorias prejudicadas dentro deste sistema: "Sejamos todos feministas" (Chimamanda Ngoze Adichie) e "Pequeno Manual Antirracista" (Djamila Ribeiro).

"A palavra significa Povo no Poder. Demo, Povo, e Cracia, Poder. Se brincarmos com a palavra Demo, que pode ser corruptela de demônio, percebemos que, muitas vezes, o que seria o poder de uma população se torna o poder demoníaco de exclusões e restrições, poder de elites, quer financeiras, quer milicianas, mantendo as populações silenciadas e não participantes", afirma Monja Coen, que ao ser procurada pela reportagem indicou uma discípula para falar sobre o tema.

Em resposta, a discípula Monja Heishin Gandra escreveu:

"Arte do cuidar com o sentimento profundo de empatia, visando o bem comum,
Indiscriminadamente. Arte do olhar, que percebe e identifica todas as formas de violência existentes na sociedade e as suas causas profundas. Arte do ouvir para compreender. Arte de suspender todos e quaisquer pressupostos elaborados que possuímos sobre o outro, e sua realidade. Arte de atuar com sabedoria, criatividade, entrega, na busca de soluções e ações reais. Arte de reunir e articular saberes, conhecimentos, iniciativas e recursos para a superação de todas as dores sociais, resultado de discriminações, exclusões e violências. Arte de administrar e mediar os contraditórios, não sendo mais vistos como ameaças, mas oportunidades sistêmicas de ação. Arte de realizar o real, com todas as suas manifestações, sem medo, com alegria e contentamento, compartilhando de forma participativa o bem viver em comunidade, em unidade na rica e provocativa diversidade, coloratura da família humana. Democracia é apreciar a arte de transformar para o bem de todos os seres. E, se manifesta no momento presente, com o passado e o futuro juntos. É, unificar corpo e mente no interser com tudo o que existe."

Entre os livros indicados por ela estão a Constituição, os Sutra Budistas, "Direitos Humanos e Políticas Públicas", de Maria Paula Dallari Bucci, "O Cálice e a Espada", de Riane Eisler, "A Árvore do Conhecimento", de Humberto Maturana, "Comunicação Não Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais", de Marshall Rosemberg, "Transcender e Transformar: uma introdução ao trabalho de conflitos", de Johan Galtung e "O princípio da não-violência", de Jean-Marie Muller.

Paulo Zulu, ator e modelo, afirma que a democracia "é uma forma de liberdade e de responsabilidade e respeito que os poderes e os cidadãos têm uns para com os outros". "Os três poderes funcionam com nosso aval. Nós financiamos os três Poderes para eles poderem organizar nossas vidas da melhor forma possível. Às vezes existem conflitos políticos internos entre eles e quem sofre a consequência somos nós, que pagamos impostos".

Zulu, para quem a melhor leitura sobre o tema também é a Constituição e o acompanhamento das sessões do Congresso e do Judiciário, "para haver uma democracia plena cada Poder tem que ser pleno dentro de suas próprias funções". "E não fazer funções de outros Poderes. Nós sofremos as consequências da politização do Judiciário."

Democracia Vive

Ecoa acompanhou também, no domingo (13), a live "Democracia Vive", promovida pelo movimento Brasil pela Democracia e que reuniu falas de artistas, ativistas, jornalistas e influenciadores digitais para debaterem o momento atual do país. Eles refletiram também sobre o que é a democracia e os limites do sistema político na atualidade.

O Brasil é uma democracia de baixa intensidade. (...) Boa parte da população não vivencia a democracia. Democracia para mim é quando de fato a maioria tiver acesso a direitos, dignidade. E voz

Djamila Ribeiro, a filósofa e escritora, em sua participação

Já para o líder indígena e escritor Ailton Krenak, democracia é um "artifício". "Nenhum sujeito eleito neste sistema governa para o povo. Nenhum. Ele governa para um conjunto de interesses que se configuram até virar um Frankenstein. Quando passamos por ameaça de banimento, reivindicamos democracia como uma maneira de coexistir diferenças sem eliminar uns aos outros. Mas o ambiente da democracia deve ser zelado o tempo inteiro, porque é propício a favorecer a decisão individualista e a imposição da vontade do que pensamos que é o coletivo", disse o autor, para quem "temos vivido pequenos golpes na democracia desde que a democracia estava engatinhando".

Nossa democracia foi podada desde o bercinho.

Ailton Krenak, escritor e liderança indígena

Em sua fala, a historiadora Lilia Schwarcz lembrou que o conceito de democracia foi ampliado e modificado na modernidade e passou a dizer respeito ao poder do povo diante do tirano, do povo que tem soberania. "A democracia se organiza a partir de instituições: partidos, parlamento, constituição. Mas depende sobremaneira do cidadão. É uma espécie de modo de vida, uma forma de sociedade em que os valores dos direitos civis, a liberdade de ir e vir, a liberdade de expressão, de associação, de imprensa, o direito à autodeterminação de eleger e ser eleito estão a todo momento em questão. Este regime contém uma espécie de ideal de extensão, uma franquia da cidadania que é o direito de inclusão social."

Estamos vivendo momento conturbado em que nossos direitos são sistematicamente retirados da nossa pauta. É hora de voltarmos a qualificar nossa democracia. E dar ao cidadão essa franquia no sentido de lutar pelos seus direitos que são inalienáveis.

Lilia Schwarcz, historiadora

O cantor e compositor BNegão lembrou que teve armas apontadas para sua cabeça em todos os governos, não só no atual. Segundo ele, o Brasil nunca teve democracia, e sim projeto de democracia. "A gente vive num limbo. A gente tenta atingir aquilo que está no horizonte, o poder para o povo, para o povo ter poder, não o banqueiro, o milionário. Isso tem outro nome. O jogo de força é a gente tentar atingir o máximo possível de democracia até chegar em uma democracia plena."

O influencer Felipe Neto, por sua vez, afirmou que a democracia nunca foi tão ameaçada como está neste momento em relação a liberdade de expressão e de fala dentro do ambiente digital e do mundo como um todo. "A maior ameaça à democracia hoje, tirando riscos de golpes de Estado, é justamente o silenciamento. Não estou nem falando de uma censura estatal. Mas da perseguição. As pessoas sentem cada vez mais medo. (...) Temos hoje eleições sendo definidas no mundo inteiro baseados no que é dito digitalmente. Donald Trump e Bolsonaro são exemplos claros do quanto foi fundamental a disseminação de informações e desinformações digitalmente", disse o youtuber, lembrando que as últimas eleições foram decididas por pessoas que "votaram acreditando na mamadeira de pinto".

Já a cantora Aíla definiu a democracia como algo distante hoje do Brasil. "Democracia tem a ver com esse poder do povo, e desde a Grécia Antiga era usada de maneira pejorativa pelos filósofos. Como se não fosse dar certo esse poder na mão do povo. Quando a gente cria esse sistema de voto para eleger representantes que deveriam estar do lado do povo a gente acaba confiando que isso vai dar voz às nossas lutas. E isso não tem acontecido no país. Em que momento isso se perdeu? Isso tem a ver com fascismo, com essa onda de ódio. Tenho ficado com dúvidas sobre como vamos retomar a democracia do país", disse.

O ator e humorista Paulo Vieira afirmou que esse poder nunca foi do povo. "O povo sempre foi manipulado, tocado para os interesses dessa minoria". Para ele, porém, é importante defender essa democracia que só existe no papel porque antes de ela existir e ser posta em prática ela já é ameaçada. "É como se vivêssemos num piloto de democracia. A Constituição é um sonho a ser atingido e nos vemos na obrigação de não fazer nem a crítica a essa democracia. Temos que defender essa democracia torta que a gente tem para que esse sonho um dia ela se realize."

Que também participou da live foi a filósofa Viviane Mosé, para quem a democracia é um conceito em crise no mundo atual, mas não só. "Estamos numa crise da civilização inteira. Fazemos parte de um processo de mudança grave do ser humano, das instituições. Tudo isso já acontecia antes da pandemia, com crise ambiental, crise social, desigualdade social absurda, crise humana, suicídio, depressão, ódio nas redes. A gente já vinha num mundo tenso. E agora com a pandemia tudo isso aumenta. E a democracia é o que mais sofre neste processo."

Para ela, a humanidade chegou ao fundo do poço e requer agora que a democracia seja não apenas defendida, mas transformada.

Temos de pensar democracia na sociedade da informação. Temos que ter coragem de criticar esse sistema representativo. Temos que ter coragem de ser cidadãos mais do que mandar mensagem pela internet. Podemos atuar na sociedade. A sociedade, o mundo, precisa repensar as suas estruturas e não apenas defendê-la. Temos que arregaçar as mangas e reconstruir o sistema democrático para que ele se torne mais forte.

Viviane Mosé, filósofa