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Médico indiano opera de graça mais de 37 mil crianças com fenda labial

O médico indiano Subodh Kumar Singh atende crianças em situação de vulnerabilidade em seu país - Divulgação
O médico indiano Subodh Kumar Singh atende crianças em situação de vulnerabilidade em seu país Imagem: Divulgação

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa

27/11/2021 06h00

Há 17 anos, o trabalho do médico indiano Subodh Kumar Singh tem sido fazer sorrirem crianças em situação de vulnerabilidade em seu país. Por meio de cirurgias gratuitas feitas por ele e sua equipe, 37 mil pequenos pacientes já deixaram para trás uma história de estigma e dificuldades marcada por fissuras labiopalatais.

Também conhecida como fenda labial, essa alteração consiste em uma abertura no lábio superior, podendo envolver um ou os dois lados do lábio e ser acompanhada de uma deformidade da asa nasal. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada três minutos, uma criança nasce no mundo com o problema. A deformidade provoca, entre outras complicações, dificuldade para amamentação, deglutição, fala e respiração.

O trabalho gratuito na área de cirurgia plástica começou em 2000, como forma de marcar o aniversário da morte do pai do médico, Gyan Singh. Ferroviário, ele faleceu em 1979, após passar por um tratamento inadequado. Após essa perda, a família de Singh enfrentou uma série de dificuldades financeiras, o que levou o então menino de 13 anos para as ruas de Varanasi em busca de renda. Singh passou a vender sabonetes caseiros na tentativa de ajudar a mãe e os irmãos. Tudo o que a família recebeu na época, lembra o médico, foi destinado ao pagamento de dívidas deixadas pelo pai.

As lembranças desse período turbulento na trajetória de Singh ainda são tão fortes que ele diz enxergar um pouco de si nas crianças atendidas gratuitamente. "Em cada criança com fissura que veio a mim, eu visualizei aquele pequeno Subodh. Meu pai e minha mãe me ensinaram a servir aos pobres e a viver eticamente. Sinto que Deus me fez cirurgião plástico e não empresário para servir a uma causa divina", definiu ele, em entrevista ao jornal "India Times".

Foram os estudos que possibilitaram que a realidade de Singh fosse transformada. Em 1982, o irmão dele conseguiu um emprego na estatal Indian Railways, agência que opera o sistema ferroviário no país, e usou o valor do primeiro bônus recebido para custear taxas dos exames para escolas de medicina que seriam prestados por Singh. O futuro médico conta ter se esforçado para que o sacrifício do irmão não fosse em vão. Passou em três exames de admissão na Índia, optando por cursar Ciências Médicas na Banaras Hindu University.

Ultrapassando a meta

Singh começou a fazer cirurgias corretivas gratuitas de fenda labial em 2003 e logo o trabalho se tornou a base de uma parceria entre o médico e a Smile Train, considerada a maior organização não governamental global para o tratamento de fissuras labiopalatais. Na época, a meta era operar 2,5 mil crianças até o fim de 2005, um objetivo ousado. "A equipe do Smile Train India, considerando nossa meta muito ambiciosa, nos pediu para fazer apenas 500 cirurgias gratuitas até o final daquele ano. Ultrapassamos esse número no final de 2004 e as 2,5 mil cirurgias no fim de 2005", recordou ele.

Na época, a idade média dos pacientes era de 10 anos. Hoje, passou para um ano. Isso, segundo o médico, aproxima o projeto de outra meta importante — operar pacientes a partir dos três meses de idade. Além das crianças, Singh também tem atendido adultos, como uma mulher de 76 anos.

Muito além da cirurgia

O trabalho de Singh, na prática, vai além da intervenção cirúrgica. A equipe dele desenvolveu um programa que rastreia crianças com fenda labial em toda a Índia. Após a localização desse público, os profissionais se reúnem com famílias cujas mulheres foram abandonadas pelos maridos depois do nascimento dos bebês com fissuras e oferecem suporte nutricional focado naquelas com desnutrição grave.

Morador de Malda, na região de Bengala, Kartik Mondal e sua família estão entre os beneficiados. O filho dele, Sonu, foi operado aos cinco meses. A intervenção cirúrgica o salvou de um quadro preocupante de deficiência nutricional. "Um hospital do governo, em Calcutá, se recusou a atender meu filho e pediu que esperássemos pela cirurgia. Mas o Dr. Singh e sua equipe deram a ele uma nova vida", contou Mondal ao "New Indian Express".

Reconhecimento

A história de voluntariado do cirurgião plástico se tornou tema do documentário "Smile Pink", em 2008, vencedor do Oscar na categoria Melhor Documentário de Curta-Metragem. Hoje, o hospital de Singh, o GS Memorial Plastic Surgery Hospital, em Varanasi, se tornou um centro que reúne médicos do mundo todo interessados em operar fissuras labiopalatais.

Singh tem atuado ainda com queimaduras graves, tendo realizado cerca de 6 mil cirurgias gratuitas. O trabalho inspirou outra produção cinematográfica — o documentário "Burned Girl", da National Geographic.